quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

CUIPIRANGA: FAZEI ISTO EM MINHA MEMÓRIA - SENSAÇÕES. (SANTARÉM – PARÁ – BRASIL)


Por: Aldo Luciano Corrêa de Lima.

Lugar onde o sangue dos cabanos é vivo e verte nas areias granuladas e vermelhas de sua praia principal, o próprio nome da comunidade remete a esse significado que na língua indígena quer dizer “areia vermelha”. A mesma está localizada em um ponto do rio Tapajós que além de estratégico para o combate é mágico. Por os pés em Cuipiranga e não sentir  a energia que emana de suas areias é impossível mesmo para os mais céticos e gnósticos. 

Neste fim de semana, 06 a 08 de janeiro de 2012, comemorou-se a memória da luta dos cabanos por uma vida mais digna. Cuipiranga não foi só palco, mais cenário de uma parte dessa história de luta. Suas 48 famílias que lá habitam possuem pessoas que trazem no olhar e no seu modo de agir a força motivadora dos cabanos e, como é de costume do povo que mora no interior da Amazônia e principalmente à beira do rio, gente muito simpática, acolhedora e prestativa.

Lugar onde a via de entrada é o rio e o quintal é um lago, onde crianças brincam, com propriedade,  com “saúbas” enormes junto a sua “vó velha” que por sua vez fica sentada nas raízes dos grandes muricizeiros existentes na praia observando seu neto, como que de prontidão para socorrer na hora de qualquer infortúnio com o manusear das formigas saúvas. 

No fim da tarde, mães velhas sentadas à sombra de seus casebres de palha ou material misto dobram palhas para renovar o telhado de seus casebres. Lá o limite dos terrenos é feito de liberdade consciente de ir e vir de cada um respeitando o espaço e a privacidade do próximo.

No início da noite de sexta-feira foi possível fazer memória e celebrar a presença dos cabanos através do levantamento do “mastro da Cabanagem”, cujo povo carregava como quem carregasse canhões para a guerra e onde à frente a proposta se fazia de sangue e/ou paz, simbolizadas pelas bandeiras vermelha e branca do Divino Espírito Santo e, ao som do Marambiré foi possível, ainda, sentir a alegria e o júbilo da vitória da luta de cada dia que os novos cabanos traçam. Fincar o mastro nas areias vermelhas é como fincar as convicções de um povo, é como firmar um compromisso com os cabanos que derramaram seu sangue naquele chão de onde existe uma profunda e constante conexão com o passado, de onde é possível sentir o calor cabano junto à fogueira acesa.

Talvez essa seja a melhor palavra que expresse o sentido e a energia de Cuipiranga: CONEXÃO. Cuipiranga é um portal conectado a múltiplos sentidos entrelaçados ao passado e ao presente e que conspira constantemente a um futuro de lutas, muitas lutas.

Junto à Cuipiranga está a Vila Amazonas e a comunidade de Guajará interligadas por uma via que nos leva mata à dentro se apresentando como uma via mística também com seus portais ora constituídos por roçados de mandioca, por mata aberta e fechada, passando por seringais e caçoais que nos fazem entender que não estamos caminhando sozinhos. Esta caminhada foi feita no sábado e durou a manhã toda e teve início com uma mística realizada na praia onde foi possível sentir a presença dos cabanos na areia, nas águas e na brisa.

Em Vila Amazonas encontraram-se pessoas simples e muito felizes que com sua cantoria e acolhida vivificante que renovaram por completo o ânimo e a energia de quem se cansou durante a caminhada. Não bastasse o alimento espiritual e corporal que o povo deu, Dona Aurea saciou por completo nossa fome corporal com seu saboroso Pacu cozido servido com uma farinha de mandioca bem torradinha, daquela que faz um “grum grum” na boca.

Cuipiranga é ainda lugar onde as pessoas no fim da tarde sentam-se em bancos improvisados feitos de tábuas à sombra dos muricizeiros para contar os acontecimentos e causos do cotidiano saboreando um café fresquinho ou até mesmo os murucis que caem ao chão.

          No domingo, último dia de celebração em memória dos cabanos e primeiro de nosso compromisso com eles por cada dia, junto aos mortos corporalmente e vivos espiritualmente ou mortos espiritualmente e vivos corporalmente, reverenciamos a cada cabano  e assumimos o compromisso de resistir e lutar sempre. Depois nos dirigimos junto ao mastro erguido para sua derrubada que foi antecedido por uma peça cômica feita pelos “pretos vindo lá de Pinhér (Pinhel)”.

          Ver um jovem subir o mastro e ao mesmo tempo ser puxado para baixo pelos pretinhos de Pinhel é perceber que para subir, alçar realizações é preciso não esquecer de fincar os pés no chão.  Com a permissão dada por eles, os pretinhos, aí sim é possível subir e jogar as frutas aos participantes como quem sacia a fome de justiça do povo. Dar uma machadada no mastro  é como dizer, na luta é preciso construir, erguer, mas também derrubar para construir novamente novas vitórias que se dão através da luta e da partilha, da coletividade, e isso foi muito bem representado pela saborosa piracaia feita à sombra de um grande muricizeiro.

"A CABANAGEM MORREU? NÃO! NÓS SOMOS OS NOVOS CABANOS!"

Cuipiranga e eu em fotos:

Grupo de Marambiré




Os murucizeiros

O quintal

Portal 01

O mastro da Cabanagem

Levantamento do mastro

Mística na praia - sentindo a força e presença dos cabanos

Portal 02 - Caminho de Vila Amazonas para Guajará

A cantoria de Vila Amazonas

Romaria Fluvial

O mastro da Cabanagem - entardecer

A via de entrada de Cuipiranga

Cemitério cabano - Portal 03



Ruínas da Igreja do período da Cabanagem - Portal 04



Trilha de Cuipiranga a Vila Amazonas - Portal 05