Esse projeto nasceu da observação desapercebida da Terra Preta no quilombo de Bom Jardim durante as muitas vezes que por lá estive realizando outros tipos de projetos voltados à cultura, segurança alimentar, saúde e à regularização fundiária. Às vezes que lá estive, no platô de Terra Preta, a única observação que tinha era de que a terra era usada para plantio e de que haviam muitos "cacos" pelo chão.
Ao ingressar no 3º semestre, no Programa de Antropologia e Arqueologia (PAA), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) deparei-me com uma disciplina que soltou-me aos olhos: Terra Preta de Índio, fiquei curioso e me matriculei, pois até em então em meu curto raciocínio tudo que fosse voltado ao preto, preta, negro seria de meu interesse em vista de que eu trabalhava com as comunidades quilombolas de Santarém e de que era importante endenter tudo que estivesse ligado a essa temática, ou seria à cor?
Enfim matriculei-me e lá descobri um universo jamais pensado. Assim fui construindo a teia que se formava entre a Terra Preta de Índio e os Território Quilombolas, foi então que após uma visita orientada pela professora Lilian Rebellato à Terra Preta do quilombo Bom Jardim nos permitiu um olhar mais técnico sobre tudo o que nos cercava, foi daí que nasceu o desejo de compreender a relação do uso da Terra Preta com identidade quilombola, desse desejo nasceu esse projeto, o primeiro de muitos que a vida me permitirá construir com a ajuda de meus orientadores e amigos de graduação.
Título: Terra de Negro – Preta
Terra: o uso da Terra Preta (TP) como instrumento de fortalecimento da
identidade quilombola no município de Santarém.
Objetivo Geral: Analisar a relação do uso de Terra Preta com o fortalecimento da
identidade em territórios étnicos quilombolas no município de Santarém.
Objetivos específicos:
·
Realizar o mapeamento dos territórios de TP nos quilombos de Bom
Jardim, Murumuru, Murumututuba e Tiningú;
·
Realizar a identificação idiossincrática dos solos de TP;
·
Identificar conflitos agrários pelo uso da TP;
·
Identificar marcadores de relação entre o uso da TP com o
fortalecimento da identidade étnica quilombola.
Justificativa:
No município de
Santarém são 10 as comunidades de remanescente de quilombos, a seguir: Arapemã,
Bom Jardim, Murumuru, Murumurutuba, Nova Vista do Ituqui, Pérola do Maicá, São
José do Ituqui, São Raimundo do Ituqui, Saracura e Tiningú. Cinco desses quilombos
estão localizados na área de planalto (Murumuru, Murumurutuba, Tiningú, Pérola
do Maicá e Bom Jardim) e cinco na área de várzea (Arapemã, Saracura, Nova Vista
do Ituqui, São Raimundo do Ituqui e São José do Ituqui).
Desses quilombos Bom Jardim, Murumuru,
Murumurutuba e Tiningú são os territórios que possuem Terra Preta que ficam
localizadas na parte alta dos quilombos, já que estes estão localizados na
parte baixa à margem do lago Maicá. Atrás da área de habitação estão os montes
onde estão situadas a TP que é utilizada como área de produção de agricultura.
Segundo Sombroek
(2009) “as Terras Pretas Antropogênicas ocorrem frequentemente na região
Amazônica, especialmente na brasileira. São localmente conhecidas como Terra
Preta, Terra Preta-de-Índio ou Terra Preta Arqueológica/Antrópica, e são o
efeito remanescente de ocupação intensiva da terra por grupos indígenas Pré
Colombianos.” Afirma ainda que “os solos de TP muito material arqueológico. São
preto ou bruno escuro até a profundidade de 50 cm em média”.
Por conta da
fertilidade do solo de TP as comunidades tradicionais, como as quilombolas, e
até mesmo a de outros povos da floresta que estão estabelecidos sobre a TP,
geralmente a utilizam para a agricultura, principalmente a de subsistência,
isso se dá por conta da facilidade de identificação da TP, “mesmo sob densa
cobertura florestal, devido os diferentes grupos e espécies arbóreas que ocorrem
nesses locais (SOMBROEK, 2009)
Nas comunidades
de remanescentes de quilombo de Bom Jardim, Murumuru, Murumurutuba e Tiningú os
principais produtos cultivados na área de TP são milho, mandioca, mamão,
holerícolas, tomate, pimentão entre outros cultivos. Geralmente a técnica
utilizada no roçado é a da coivara, corta e queimar, para depois plantar, no
entanto há uma questão que precisa ser analisada que é de como estas
comunidades quilombolas estão contribuindo para que a TP continue fértil para o
próximo cultivo na mesma área.
Definir os
chamados povos tradicionais na Amazônia é tão complexo e discutível quanto à
própria definição de “povos tradicionais”, mas aqui por enquanto, a discussão
será detida ao conceito que Manuela da Cunha (2007) os define como grupos que conquistaram ou estão lutando
para conquistar (prática e simbolicamente) uma identidade pública conservacionista
que inclui algumas das seguintes características: uso de técnicas ambientais de
baixo impacto, formas equitativas de organização social, presença de
instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e,
por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e reelaborados.
Dessa forma a
manutenção da biodiversidade é um marcador identitário dos povos das florestas
ou povos tradicionais, no caso das comunidades de remanescentes de quilombo, um
marcador étnico que precisa ser observado e comprovado nessa pesquisa. “A
identidade étnica surge como uma
estratégia política de ação coletiva em defesa do território que ocupam
e na garantia da reprodução de seu modo de vida característico” (O’DWYER,
2002). “O território é ainda concebido como um bem recebido do passado e que
deve ser remetido ao futuro para as novas gerações, essa compreensão questiona
o sentido de propriedade quando dá ao território o sentido de transitoriedade
das gerações tornando estas guardiãs de um processo de acumulação de saberes e
práticas tradicionais” (CASTRO, 1997).
Outro ponto a ser
observado é se existem conflitos, principalmente agrários e fundiários por
conta do uso da TP. Nesse aspecto o processo de regularização fundiária no
Brasil se mostra um grande problema desde o período colonial. As formas de
ocupação do território brasileiro sempre se mostraram como alternativas
devastadoras sem considerar os sujeitos
que aqui já habitavam. Ao longo de toda sua história a luta pelo
território sempre revelou grandes interesses econômicos seja no setor mineral,
drogas do sertão, café, cana-de-açúcar, madeireiro e pecuária. Dessa forma,
identificar esses conflitos que podem também ter sido gerados por conta do uso
da TP será interessante pra entender a
relação da comunidade com a seguridade do território de TP.
É nesse sentido que esse projeto se propõe,
analisar a relação do uso histórico da
TP pelos remanescentes de quilombos no município de Santarém com o
fortalecimento de sua identidade étnica e como essa relação pode ser utilizada
como instrumento para o processo de regularização fundiária desses territórios.
Metodologia
Resultados esperados:
Historicamente as comunidades de remanescentes de quilombo de
Santarém sempre sofreram com um processo de invisibilidade social existente por
conta do processo de preconceito imposto pela sociedade em relação aos povos
que foram escravizados no período colonial do Brasil da qual cuja herança de
preconceito e marginalização foi transferida aos seus descendentes, como é o
caso das comunidades quilombolas.
O processo de regularização fundiária pelo qual essas comunidades
estão passando é um forma de referendar sua posse sobre seu território e de
auto afirmar sua identidade étnica. Dessa forma o projeto pretende apresentar
como resultado mais instrumentos que contribuam com esta visibilidade,
desconstrução do preconceito, auto afirmação identitária e posse do território
através de um mapeamento dos territórios de TP nos quilombos de Bom Jardim,
Murumuru, Murumututuba e Tiningú associados à práticas de manejo em agricultura
em TP identificadas nesses territórios. O mapeamento também resultará na
identificação de conflitos agrários ou fundiários que poderão ter sido causados
pelo uso da TP os quais poderão ser encaminhados aos Órgãos competentes de
regularização fundiária para a tomada das devidas providências.
Identificado e analisados
os marcadores de fortalecimento da identidade étnica quilombola por conta do
manejo da TP será possível oferecer subsídios para que se construa, juntamente
com a comunidade, e desde que seja demandada por ela, um projeto de
fortalecimento da identidade étnica.
O projeto ainda trará como resultados um maior conhecimento
técnico sobre o uso da Terra Preta assim como a construção sistematizada e
publicada do conhecimento idiossincrático dos quilombolas.
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Direitos territoriais e étnicos: a bola da vez dos estrategistas dos
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