terça-feira, 22 de maio de 2012

UM OLHAR SOBRE O MERCADÃO 2000 - SANTARÉM / PA


Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA
Instituto de Ciências da Sociedade - ICS
Programa de Antropologia e Arqueologia - PAA

 Aldo Luciano Corrêa de Lima

Inclusão, exclusão, espaço e poder no complexo do Mercadão 2000 em Santarém – Pará.
 

As feiras e demais espaços de comercialização sempre se constituíram de relações complexas de poder social decorrentes do poder econômico que cada indivíduo exerce sobre outro nessa relação de comércio. Nela é notória a distinção de papéis dos indivíduos que a constitui em função do aumento da produção, aperfeiçoamento e combinação de tarefas e de tecnologias, ou seja, sua especialização (ADAD, 2011).

 Em primeira visita in loco ao olhar desapercebido da maioria dos indivíduos que fazem parte desse complexo sistema de relações o que se pode perceber é uma ação coletiva mista e diversificada que engloba basicamente dois  sujeitos: vendedor e comprador. Relação essa que remonta às primeiras formas de comercialização nas áreas de florestas, denominadas de guildas,  até a constituição de feiras dentro dos muros dos castelos medievais.
              
            As relações de produção e comercialização que se estabelecem: domínio e sujeição são dois elementos importantes para sua compreensão. No entanto, ao se identificar cada sujeito e sua ação dentro do Complexo do Mercadão 2000 é possível constatar uma complexa rede  de relações que se estabelecem em diversos setores que constituem o Complexo e suas áreas adjacentes. Entender esse complexo sistema de relações é de fundamental importância para se entender através de uma análise etnográfica a relação de poder que cada indivíduo exerce sobre o espaço físico sob sua responsabilidade e sobre o outro seja ela de inclusão ou exclusão. 






 Trecho do trabalho da disciplina de Introdução à Etnografia realizado em maio de 2012.

EXERCÍCIO DE ESTRANHAMENTO DO OUTRO


Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA
Instituto de Ciências da Sociedade - ICS
Programa de Antropologia e Arqueologia- PAA
Teoria Antropológica I


Aldo Luciano Corrêa de Lima

Bruna, 20 anos, natural de Macaué, Pará,  desde cedo, pela manhã do sábado passou a fazer a limpeza e arrumar a casa como de costume. Pela tarde começou a estudar com um de seus amigos até à noite quando chegou mais quatro de seus amigos da universidade. Após o estudo Bruna começou a cortar mangas para oferecer sucos a eles. Após lavar a  louça  utilizada para fazer o suco Bruna o serviu com pães, patê, refrigerante, vinho e cachaça arrumados na mesa em que estudavam. É interessante como um simples  estudo pode virar numa cachaçada. Na verdade, na maioria das vezes o estudo serve apenas como pretexto.

Durante a refeição, ao estilo inglês medieval, foi possível perceber que no meio da conversa vez ou outra alguém pegava o seu celular para ficar teclando em redes sociais. Mais uma vez é interessante perceber a força que o celular exerce em meio às relações sociais em contato real. Qual a necessidade desse comportamento? Em seguida todos brindaram à saúde, à amizade, aos estudos e ao sexo que gostariam de fazer ao longo de seus percursos acadêmicos, cada um com seu refrigerante ou vinho ou cachaça ou suco de manga. Bruna dionisicamente brindou com vinho.

Máscara - Acervo Fundação Curro Velho, Belém / PA
. Foto: Aldo Lima.
 Inconscientemente a disposição dos convivas à mesa era semelhante a um banquete real. O dono da casa à cabeceira, no lado oposto um amigo de influência para flertar e trocar olhares, e em cada lado da mesa, um casal. Bruna assumiu o assento direito ao dono da casa, lugar privilegiado que é sempre concedido ao convidado de honra. No entanto, ela revezava-se em seu posto de nobreza e sua posição de vassalagem ao servir os demais. Entre muitos assuntos ao mesmo tempo Bruna ficou por algum tempo em silêncio, mas logo em seguida começou a falar de forma enfática, frenética e persuasivamente como se quisesse convencer a todos sobre alguma verdade. Ela falava duplamente, com a voz e os gestos, simultaneamente.

 Entre tantos assuntos e brincadeiras que descontraiam a todos,  falar sobre os medos e experiências da infância dos presentes foi o destaque, onde surgiram histórias como a de um menino que brincando com seu primo na canoa esqueceu uma pedra amarrada no remo, quando o avô do menino resolveu voltar para casa notou que estava com muita dificuldade para remar foi quando resolveu levantar o remo e descobriu a pedra amarrada.  Outra contava que um tio resolveu brincar de pira esconde com seus sobrinhos numa casa grande que tinha vários esteios no centro da casa, lá não havia luz elétrica, quando o tio saiu a procura dos demais todos ouviram um grande TUM, a casa balançou, o tio havia dado de testa em dos esteios e a brincadeira acabara com um grande golpe na cabeça. Histórias de ratos andando em palhas de arroz e cavalos que se soltavam à noite e que eram confundidos com visagens que faziam as crianças se enrolarem em suas redes como em um casulo. 

Foi falado ainda sobre o medo que se tinha na hora de ter que ir ao sanitário que ficava fora das casas principalmente quando se tratava dos sanitários da área de várzea onde era preciso andar em  estivas e onde a tensão e ao mesmo tempo alívio se tinha com aquele “plum” na água. Do medo de bezerros que fizeram um garoto atravessar uma cerca de arame farpado sem se dar conta do feito e do costume que os pais tinham de fazer os filhos tomarem benção de todo mundo criando assim muitos tios e tias, mesmo sem nenhum grau de parentesco. 

Todas essas estórias  e histórias foram regadas por muito destilado ou fermentado e ficavam cada vez mais autênticas e criativas com o passar da hora, comprovando o quanto o imaginário amazônico é rico em simbologias e medo. E Bruna como amazônida é raiz, tronco, galho, rama, folha, flor e fruto desse meio. E infelizmente ao final todo mundo embriagado, ninguém comeu ninguém.

Exercício de estranhamento da disciplina de Teoria Antropológica I apresentado em março de 2012.

EXERCÍCIO DE ESTRANHAMENTO DO EU A PARTIR DE MIM MESMO


Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA
Instituto de Ciências da Sociedade - ICS
Programa de Antropologia e Arqueologia - PAA
Teoria Antropológica I

Aldo Luciano Corrêa de Lima


ETNOGRAFIA DO  EU A PARTIR DE MIM  MESMO

1.       Origem:
Pensamento - desejo – instinto – necessidade – homem – mulher - cidade de Primavera – Pará – Brasil – América do Sul – Continente Americano – Planeta Terra – Sistema Solar – Via Láctea – Universo – Infinito…
2.       Características:
Aldo Luciano Corrêa de Lima, espécie humana do sexo masculino, 32 anos, 72 Kilos, 1,65cm de altura. Corpo atlético com leves traços para obesidade. Fenótipo indígena com algumas características negras decorrente da miscigenação de pai com  fenótipo indígena e mãe com fenótipo negro. Temperamento forte, no entanto aparentemente calmo e inseguro.

3.       Localização:
Reside na cidade de Santarém, Pará que possui uma população de aproximadamente 300.000 habitantes, banhada por dois rios: Amazonas e Tapajós. Já morou em São Luis/MA, Macapá/AP e Belém/PA, apresentando dessa forma uma tendência a adaptação em habitats de água, seja doce ou salgada.

4.       Hábitos alimentares:
Café – pão, queijo, margarina, café, leite, açúcar. Nota-se que seu café da manhã é semelhante há hábitos da cultura ocidental, como o consumo do pão francês. Percebe-se a falta do uso de alimentos nativos como: macaxeira, pupunha, cará, tapioquinha, bejú de mandioca e chá de capim santo muito consumido por populações tradicionais.
Almoço / Jantar – alimentação baseada em carboidratos, gorduras saturadas e outros alimentos industrializados como por exemplo, cup nudles, massas, sucos em caixas, leite em caixa, arroz parborizado, açúcar granulado, etc. Alimentos que contém altos índices de manipulação química. O que se pode perceber é que muitas atividades realizadas durante o dia requer maior tempo para a realização das mesmas, dessa forma alimentar-se bem tornou-se uma ação em terceiro plano para a maioria da população do século XXI. Esse tipo de comportamento é muito comum em sociedades capitalistas onde é preciso produzir  e consumir cada vez mais e mais para poder sobreviver. Outras mudanças perceptíveis é o uso de novas ferramentas para a produção de alimentos como o forno microondas e o uso de refrigeradores para a preservação de reservas de suprimentos alimentares. O que antes era considerado como parte do modo de fazer e cozer um alimento atualmente não passa de simplesmente esquentar os alimentos industrializados instantâneos prontos para o consumo. Existe uma lógica consumista muito bem elaborada por trás da tecnologia existente nas novas ferramentas desenvolvidas desde a manipulação do fogo, fogueiras no chão, fogões em pedras, fogões de barro, fogões à gás, forno  microondas e tantos outros instrumentos para a culinária que são movidos pela energia elétrica e que foi muito bem absorvida pela sociedade atual.              Uma observação é necessária, fora do contexto citadino ou urbano - e aqui se faria necessário uma reflexão mais profunda do que é o urbano na Amazônia, mas que não vem ao caso – nota-se uma grande flexibilidade no consumo de alimentos naturais baseados principalmente em pescados, farinha de mandioca e frutas, dieta comum às comunidades tradicionais.

5.       Cultura:
5.1   Dimensão religiosa:
O indivíduo é declarado católico-apostólico-romano de corrente moderada, nem ortodoxo nem progressita. Desde a infância foi educado à fé católica de tradição romana, a mesma trazida e imposta pelos colonizadores portugueses. Essa é uma comum tradição familiar tipicamente européia onde as convicções religiosas são transferidas aos descendentes. No entanto há um notável comportamento de cunho ecumênico que o faz transitar entre o cristianismo pentecostal, religiões de matrizes africanas e rituais indígenas sem interferência na convicção doutrinária religiosa seja a sua seja a do outro individuo, isso o destaca entre muitos indivíduos cristãos.
5.2   Artes:
É um indivíduo que tem habilidades para pintura em telas, desenho, tocar instrumentos como violão, teclado e instrumentos de percussão como pandeiro, afoxé, marimba, curimbó, e ainda cantar. As primeiras habilidades são decorrentes da influência ocidental  com ênfase no período árcade e renascentista, no entanto as demais habilidades se dão por conta da forte influência  de culturas como a africana por conta do transito em religiões de matrizes africanas e a convivência em comunidades de remanescentes de quilombo.
5.3   Vestimentas:
As suas vestes passaram de sua função de proteção contra o frio e sol para um signo do trabalho realizado e do modo de ser individual. Assim percebe-se roupas mais elaboradas por conta de seu trabalho desenvolvido na esfera política pública e roupas mais simples para o trabalho com comunidades tradicionais, universidade, em casa. Em todos os casos elementos da vestimenta ocidental são muito nítidos: sapatos sociais que remontam à cultura tipicamente francesa do tempo de Luis XIV, calças jeans típicos dos proletários estadunidenses, camisas, bonés com forte influência norteamericana. É possível notar ainda uma tendência ao uso de biojóias que remontam à antigas civilizações Maias ou a povos indígenas mais recentes. Uma curiosidade é a predileção pelo uso do fio de algodão puro que contrapõe o uso de tecidos sintéticos utilizados na atualidade.

6.       Trabalho:
Aldo Lima trabalha como assessor de gabinete na Câmara Municipal de Santarém e como consultor de projetos na Federação das Organizações Quilombolas de Santarém. A ansiedade pelo consumo que o sistema capitalista impõe o faz trabalhar cada vez mais obrigando-o inclusive a especializar-se em algum tipo de formação. Esse é um comportamento comum para quem quer sobreviver e viver de forma cômoda e satisfatória em 2012 – aqui faz-se necessária a compreensão relativa do que seja uma vida cômoda e satisfatória, mas que também não vem ao caso discorrer agora sobre esse assunto. O primeiro trabalho é desenvolvido unicamente para tentar satisfazer os consumos pessoais já o segundo é tratado como militância e logicamente como fonte de recurso monetário e de conhecimento que o fez aproximar-se e interagir mais com as comunidades de remanescentes de quilombo, fazendo com que a identidade afrodescendente se estabelecesse de forma maior ideologicamente.

7.       Sociabilidade / Grupos sociais:
Em sua residência convive com dois cães e uma amiga de universidade que encontra somente à noite quando ambos conseguem terminar suas atividades acadêmicas e conversam sobre as ações realizadas durante o dia. Os cães suprem a necessidade de companhia comum a indivíduos solteiros e que costumam morar sozinhos, aqui faz-se ressaltar que até três meses atrás Aldo morava sozinho.
Participa ativamente de inúmeras reuniões em comunidades quilombolas, associações de bairro, movimentos eclesiais. Convive ainda com artistas do teatro e universitários. Toda essa relação justifica seus cães. Esse é outro comportamento comum a indivíduos do século XXI que cansados do stress do dia a dia procuram o isolamento e o descanso.
Dessa forma o que se pode concluir é que Aldo Lima é um indivíduo que apesar das reminiscências indígenas ou africanas consegue transitar por múltiplas culturas e assimilar um pouco de cada uma delas formando uma colcha de retalhos cultural. Se isso é bom ou não, não cabe agora o julgamento, mas ao menos serve para a ADAPTAÇÃO  e para a SOBREVIVÊNCIA das espécies. 

Esse exercício de etnografia foi realizado para a disciplina de Introdução Antropológia I em março de 2012.