terça-feira, 22 de maio de 2012

EXERCÍCIO DE ESTRANHAMENTO DO OUTRO


Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA
Instituto de Ciências da Sociedade - ICS
Programa de Antropologia e Arqueologia- PAA
Teoria Antropológica I


Aldo Luciano Corrêa de Lima

Bruna, 20 anos, natural de Macaué, Pará,  desde cedo, pela manhã do sábado passou a fazer a limpeza e arrumar a casa como de costume. Pela tarde começou a estudar com um de seus amigos até à noite quando chegou mais quatro de seus amigos da universidade. Após o estudo Bruna começou a cortar mangas para oferecer sucos a eles. Após lavar a  louça  utilizada para fazer o suco Bruna o serviu com pães, patê, refrigerante, vinho e cachaça arrumados na mesa em que estudavam. É interessante como um simples  estudo pode virar numa cachaçada. Na verdade, na maioria das vezes o estudo serve apenas como pretexto.

Durante a refeição, ao estilo inglês medieval, foi possível perceber que no meio da conversa vez ou outra alguém pegava o seu celular para ficar teclando em redes sociais. Mais uma vez é interessante perceber a força que o celular exerce em meio às relações sociais em contato real. Qual a necessidade desse comportamento? Em seguida todos brindaram à saúde, à amizade, aos estudos e ao sexo que gostariam de fazer ao longo de seus percursos acadêmicos, cada um com seu refrigerante ou vinho ou cachaça ou suco de manga. Bruna dionisicamente brindou com vinho.

Máscara - Acervo Fundação Curro Velho, Belém / PA
. Foto: Aldo Lima.
 Inconscientemente a disposição dos convivas à mesa era semelhante a um banquete real. O dono da casa à cabeceira, no lado oposto um amigo de influência para flertar e trocar olhares, e em cada lado da mesa, um casal. Bruna assumiu o assento direito ao dono da casa, lugar privilegiado que é sempre concedido ao convidado de honra. No entanto, ela revezava-se em seu posto de nobreza e sua posição de vassalagem ao servir os demais. Entre muitos assuntos ao mesmo tempo Bruna ficou por algum tempo em silêncio, mas logo em seguida começou a falar de forma enfática, frenética e persuasivamente como se quisesse convencer a todos sobre alguma verdade. Ela falava duplamente, com a voz e os gestos, simultaneamente.

 Entre tantos assuntos e brincadeiras que descontraiam a todos,  falar sobre os medos e experiências da infância dos presentes foi o destaque, onde surgiram histórias como a de um menino que brincando com seu primo na canoa esqueceu uma pedra amarrada no remo, quando o avô do menino resolveu voltar para casa notou que estava com muita dificuldade para remar foi quando resolveu levantar o remo e descobriu a pedra amarrada.  Outra contava que um tio resolveu brincar de pira esconde com seus sobrinhos numa casa grande que tinha vários esteios no centro da casa, lá não havia luz elétrica, quando o tio saiu a procura dos demais todos ouviram um grande TUM, a casa balançou, o tio havia dado de testa em dos esteios e a brincadeira acabara com um grande golpe na cabeça. Histórias de ratos andando em palhas de arroz e cavalos que se soltavam à noite e que eram confundidos com visagens que faziam as crianças se enrolarem em suas redes como em um casulo. 

Foi falado ainda sobre o medo que se tinha na hora de ter que ir ao sanitário que ficava fora das casas principalmente quando se tratava dos sanitários da área de várzea onde era preciso andar em  estivas e onde a tensão e ao mesmo tempo alívio se tinha com aquele “plum” na água. Do medo de bezerros que fizeram um garoto atravessar uma cerca de arame farpado sem se dar conta do feito e do costume que os pais tinham de fazer os filhos tomarem benção de todo mundo criando assim muitos tios e tias, mesmo sem nenhum grau de parentesco. 

Todas essas estórias  e histórias foram regadas por muito destilado ou fermentado e ficavam cada vez mais autênticas e criativas com o passar da hora, comprovando o quanto o imaginário amazônico é rico em simbologias e medo. E Bruna como amazônida é raiz, tronco, galho, rama, folha, flor e fruto desse meio. E infelizmente ao final todo mundo embriagado, ninguém comeu ninguém.

Exercício de estranhamento da disciplina de Teoria Antropológica I apresentado em março de 2012.

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